domingo, 13 de maio de 2007

O garoto. O Zé botinha e o Chico Guarda.


:: Imagem tirada di site: www.eseguranca.com.br/pes.htm

O s personagens dos fatos que seguem não tinham nada em comum a não ser morarem na mesma cidade.

O Garoto.

Marcos um garoto de oito anos, o mais velho de uma prole de quatro filhos, de um casal que vivia no limite da pobreza. A mãe uma mulher apática que lavava e passava roupa ganhando algum dinheiro para manter uma precária subsistência. O pai apesar de um ótimo profissional não era muito afeito ao trabalho passava mais tempo pescando e jogando baralho, bilhar, bocha, enfim, qualquer jogo.
O garoto ajudava no provento vendendo ovos de uma chácara de porta em porta de manhã e à tarde ia para a escola, aos sábados engraxava sapatos nas residências onde ele tinha uma boa freguesia, pois era muito caprichoso.
Aos domingos vestia sua melhor roupa, calçava uma alpargata que ele detestava - era um sapato feito de lona com sola de corda que era fabricada pela empresa têxtil Alpargatas - o sapato só tinha um padrão de cor, um marrom desbotado, uma coisa horrorosa paupérrima, e lá ia ele pra missa.
Mas ele tinha um sonho ter uma botina igual a que ele engraxava toda semana, a do filho de um freguês, para isso ele sempre desviava uma moeda que guardava em um cofre feito com uma lata de talco vazia que ele mantinha bem escondido.

O Zé Botinha

Era um boa praça oriundo do norte do Brasil das bandas do Pará.
Era caminhoneiro, mas como ele dizia já tinha trabalhado no garimpo em sua terra natal, Zé Botinha porque usava uma bota cano curto que estava sempre tinindo, brilhava como um espelho.
Ele trabalhava como motorista em uma beneficiadora de arroz, onde era muito bem quisto, pois além de pontual cuidava do caminhão como se fosse seu, sempre limpo e brilhando como novo.
Ele transportava arroz de Barretos para Goiás e vice-versa. Apesar de contente com a vida que levava, pois além de ser bem quisto ganhava bem, já que na época havia poucos motoristas, morava em casa própria, tinha dois ótimos filhos de onze e nove anos e uma esposa prendada e bonita. Enfim, era um homem feliz.
Mas ele tinha um sonho que alardeava quando estava reunido com os amigos na bodega do seu Joaquim , entre um copo e outro de cerveja ele exibia uma caderneta da Caixa Econômica e dizia “Meu futuro está aqui. Estou juntando um dinheiro e quando tiver o necessário para comprar o equipamento vou para o garimpo, e quando voltar vou ter o meu próprio caminhão. Comprar um sitio e criar porco inglês e só usar botinha sob medida do Gallat”, que era uma sapataria e selaria que só trabalhava por encomenda para burguês devido o preço .
Chico Guarda. A doença.

Seu Chico como era conhecido nasceu na cidade de Ribeirão Preto e quando jovem aprendeu a profissão de ourives na qual trabalhou um bom tempo até que a família foi para Barretos, onde ele teve dificuldade para de arrumar trabalho, pois a cidade era bem pequena.
A família não tinha dificuldades, pois ele era filho único e a mãe teve problemas no parto e não podia gerar mais. O pai era encarregado no Frigorífico Anglo e morava em uma casa de propriedade da empresa e pagava um aluguel simbólico. A mãe era costureira, e viviam uma vida financeira confortável.
O rapaz fazia um bico aqui outro ali até que chegou a idade do serviço militar, se alistou e foi fazer o tiro de guerra - nome dado ao serviço militar em pequenas cidades. O tempo passou, o final do serviço militar estava próximo e o problema de trabalho ressurgiu. Ele pensou, repensou e não teve dúvidas, se alistou na força pública. Fez os exames necessários e foi aprovado. Foi então encaminhado para Ribeirão Preto para o treinamento. Tempos depois voltou apto para exercer sua função.
Aos vinte e dois anos casou e tiveram dois filhos Carlos e Roberto. Durante o tempo que exerceu seu trabalho, o fez muito bem. Angariou muitos amigos principalmente crianças que o chamavam carinhosamente de seu guarda. Ele morava em uma casa que comprou com a ajuda dos pais no limite da cidade em um terreno bem grande onde as crianças brincavam com seus filhos, e desfrutavam das frutas do pomar que ali havia.
O tempo passou. Vamos encontrá-lo com quarenta e dois anos quando uma doença se abateu sobre o homem que era um exemplo para a comunidade e, principalmente, para as crianças, pois embora o tempo tenha passado ele mantinha o mesmo carinho com elas.
Suas pernas começaram a doer e a inchar, Consultou um médico que constatou um tipo grave de diabete. O diagnóstico: fazer um tratamento com medicamentos, uma rigorosa dieta, dentro de pouco tempo fazer uso de uma cadeira de rodas e, quem sabe, no futuro uma possível amputação.
Ele compreendeu a situação, não esmoreceu e resolveu fazer sua própria cadeira e para montar a cadeira saiu a campo. Conseguiu uma sucata aqui outra ali serrava parafusava, e quando precisava soldar alguma peça contava com um amigo que era serralheiro que o ajudava na soldagem.
Quando já estava montada lixada e pintada, comprou um par de rodas numa bicicletaria e
acabou de montar. Algum tempo depois, a doença se agravou e uma perícia médica o aposentou em definitivo.
Ele então montou uma pequena oficina e passou a praticar a profissão de ourives na própria casa. Eram pequenos serviços mais para passar o tempo. Com o agravamento da doença e o inchaço das pernas e, não podendo mais se manter em pé, passou a usar a cadeira de rodas definitivamente.
Passados três anos, já totalmente adaptado com a situação, estava praticando sua profissão em uma escala maior. Os filhos passaram a viajar comprando ouro e prata, um vinha para São Paulo o outro para cidades de maior porte do interior. E de porta em porta compravam o material. Eram pedaços de ouro, correntinhas, feichos, ouro velho, enfim, qualquer tipo de ouro e prata . O pai derretia o material e fazia aliança, correntes, broches e anéis que vendia na cidade.
Fazia também consertos para os moradores e para a joalheria da cidade.
Com o passar do tempo passou a comprar e vender objetos usados. Comprava e vendia de tudo, com o tempo o negócio prosperou, ia tudo de vento em popa. Um detalhe: o Chico era freguês do Marcos. Comprava ovos e engraxava as botas, agora com a doença só comprava ovos. Admirava o esforço do garoto para ajudar a mãe, pois sabia que o pai era um irresponsável e sempre estimulava ele, para que não desanimasse.

O garimpo. A viagem. A volta. O desastre.

O ourives. O ouro e a Botina. .

Numa tarde de sábado ele chegou na bodega e pediu a seu Joaquim “Ponha cerveja no balcão e abra uma garrafa de Pirassununga que hoje to pagando”. Vrou pro salão e falou “Pessoal chegou o dia. Vamos beber à saúde de todos, porque na segunda-feira to indo pro garimpo”. O pessoal ficou atônito pela surpresa, mas cada um pegou um copo e rapidamente a cerveja e pinga acabaram. “Repete a dose” disse o Zé. Seu Joaquim serviu e ainda surpreso perguntou “E a família e a casa como é que fica”. “Fica” respondeu, “A família, a casa, fica tudo como está, vou eu e Deus. Já provi a mulher por uns meses e não vai faltar nada, se o dinheiro acabar mando mais. Tenho fé em Deus. Acertei com o patrão ele não queria que eu fosse, mas não arredei o pé. Ele até me prometeu emprego se não der certo”.
Na segunda-feira o Botinha subiu na jardineira (ônibus) e partiu deixando a mulher e os filhos chorando e os amigos tristes pois ele era muito querido.
Durante três anos noticias só por carta e pelo dinheiro que ele mandava pra mulher.
Após esse tempo, eis que num sábado um caminhão Ford reluzente novinho, pára em frente da bodega e dele desce queimado como azeviche, pelo sol do norte. O Zé Botinha.
Saudou a todos que estavam ali e deu um grande sorriso que reluziu como o sol, pois ele havia colocado oito jaquetas nos dentes da frente.
Depois de brindar e festejar com os amigos despediu-se e foi para casa, e disse alguém “Ele encontrou seu eldorado”.
Depois vários dias comemorando e fazendo compras para a família, ele começou a por em prática o sonho que tanto acalentou. Deu uma bela reforma na casa, comprou um sítio e iniciou a criação de porcos, mas não esqueceu das sonhadas botas do Gallat do qual passou a ser cliente, botas para si e botinas para os filhos feitas com a melhor pelica da Argentina.
Em três anos passou a ser um dos maiores fornecedores de porcos para o Frigorífico Anglo, enfim, o homem venceu estava rico.
Mas o que ele não imaginava era que uma desgraça se avizinhava de maneira inexorável.
Em uma tarde ao voltar do sítio parou o caminhão em uma vendinha que havia a uns cem metros de uma passagem de nível de trem nos arredores da cidade, ficou por ali durante um tempo bebeu e conversou com os amigos, e já escurecendo se despediu entrou no caminhão e partiu para casa, mas quando chegou na passagem de nível da ferrovia ao mudar a marcha deixou o motor morrer. Tentando ligar o motor, e por estar em uma curva ladeada por um barranco, não viu o trem que o pegou em cheio e o arrastou por uns cem metros destroçando tudo.
O maquinista não pode frear de sopetão pois o trem estava com vários vagões lotados de bois que ia para o Frigorífico. Estranhamente, embora o maquinista afirmasse o contrário, o pessoal que estava na venda disseram que não ouviram o apito do trem, o que era obrigado em toda passagem de nível para alertar algum passante.
Após o acidente, foi uma correria geral, logo chegaram funcionários da Ferrovia os bombeiros da cidade que ficava a dois quilômetros e que providenciaram sacos de lona para recolher os restos do corpo que ficou estraçalhado.
Como havia escurecido, bombeiros ficaram de plantão para evitar que animais devorassem partes do corpo, pois não foi possível recolher tudo.
Na manhã seguinte muitos curiosos foram até o local para ver o desastre, entre elas, o garoto Marcos. Andando por ali o garoto notou algo brilhando no meio de uma moita de capim, abriu a moita e viu uma arcaria dentária e com vestígio de sangue, e brilhando oito dentes de ouro. Apanhou aquele resto macabro enrolou em um pedaço de saco de cimento que apanhou ali perto e foi para casa.
Lá chegando abriu espaço em um pilha de tijolos que havia no quintal colocou o pacote e fechou o buraco sem que ninguém visse.
Alguns dias depois do acidente, ao chegar em casa viu sua mãe com um regador jogando água com creolina no quintal. Dizendo que tinha um cheiro de carniça por ali. Ele disfarçando chegou onde havia escondido pacote e sentiu que o cheiro vinha dali. Pediu então o regador e disse deixe-me ajudar e sem que ela percebesse jogou a água sobre o local que amenizou o cheiro e pensou “Tenho que tirar o pacote daqui”, o que não seria difícil, pois o pai estava pescando em Mato Grosso e era quando ele tinha um pouco mais de liberdade.
No dia seguinte, retirou o pacote que já estava cheirando mal enrolou em um pedaço de trapo pegou a cesta onde carregava os ovos e antes de ir para a chácara dirigiu-se para os fundos do recinto onde faziam a Exposição de gado. Procurou um lugar ermo pegou o embrulho colocou dentro de uma lata de leite em pó vazia, tampou e com uma colher cavou um buraco colocou a lata e cobriu com terra e pedras e foi apanhar os ovos.
Passado um mês da tragédia, as coisas na casa do Zé Botinha se acomodaram. A mulher contratou um capataz para o sítio. Homem que entendia do negócio e pôs tudo para funcionar.
Foi nesse período que começou a pensar no que fazer com seu achado, embora já tivesse uma idéia. Em dois meses ele mudou a lata de lugar várias vezes até que tomou coragem e pôs em prática seu plano.
Foi até a casa do Chico e depois de sondar, perguntou se ele comprava dente de ouro, a princípio ele ficou ressabiado pensou e respondeu que comprava qualquer tipo de ouro desde que não seja roubado, “Você sabe quem tem?”
“Olha seu Chico outro dia eu estava caçando passarinho perto da linha e achei um pedaço de osso com dente de ouro”, ele sabia que era ouro, pois engraxava as botas do finado Zé. Chico ficou curioso, pois sabia que não havia sido encontradas as mandíbulas do Zé e perguntou, quantos dentes são, oito respondeu o garoto.
O Chico coçou o queixo pensou e perguntou se alguém mais sabia, “Não, eu não contei pra ninguém. Achei e escondi”. “Ok” disse o Chico este vai ser o nosso segredo.
Ele pensou e disse “Vamos fazer o seguinte: vou lhe dar um alicate e você vai tentar arrancar os dentes, se conseguir jogue o que restar no pimpão (e um riacho) se não conseguir traga aqui que eu arranco”.
O garoto fez como ele pediu e levou os dentes para ele ver. O Chico retirou as jaquetas testou pesou e esclareceu o quanto tinha que pagar ao garoto. Ele disse que não queria dinheiro e sim que ele comprasse uma botina do Gallat pra ele.
O Chico então explicou que comprar no Gallat ia ser problema, pois além de ter que esperar a encomenda teria que explicar a compra de uma botina sob medida, Marcos concordou, Chico teve uma idéia “Vou pedir ao meu filho para ir com você na selaria Gaúcha e comprar uma botina pra você. Lá tem e são muito boas se estiver de acordo, você vai e escolhe, vai sobrar dinheiro, se não quiser levar eu guardo e quando você quiser vem aqui e eu lhe dou”. “Negócio fechado”, disse o garoto.
“Vocês trazem a botina para aqui e você peça a sua mãe para vir aqui que quero falar com ela”. Quando ela vier direi que estou lhe dando de presente, mas vamos fazer isto logo aproveitando que seu pai esta pescando. “Para ela não ficar curiosa direi que você tem feito uns favores, dado uns recados e até ido à cidade para mim, enquanto entregava os ovos”. Assim ficou combinado, foi feito e deu tudo certo. No sábado Marcos não conseguia disfarçar a ansiedade para que chegasse logo o domingo, a noite foi longa. Quando o dia raiou ele levantou, se lavou, pôs a melhor roupa, calçou as botinas, esqueceu até o café e lá foi saltitante para a missa. Era a primeira vez que usava um calçado de couro.Chegando na Igreja entrou se benzeu, ajoelhou e de mãos postas como bom cristão olhou para cima e fez uma prece para o Zé Botinha.

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