Há algum tempo atrás eu possuía um bar mercearia e moradia juntos numa região de chácaras de veraneio e fins de semana, vendia um pouco de tudo, até que iniciaram a construção de uma unidade da fábrica da Skol na Região. Ai a coisa melhorou.
Como a unidade ficava longe da cidade, o pessoal morava em um alojamento da construtora e foi necessário a montagem de uma enorme cozinha. Muitos caminhões de entrega passavam por ali para entrega, inclusive, de carne.
Um dia o caminhão de carne parou no bar e o motorista e o ajudante tomaram cerveja e coversaram, foi quando um deles se aproximou e me ofereceu uma peça de carne que havia sobrado e o preço era bom. Relutei mas a ganancia falou mais forte e depois de pechinchar - eu compraria desde que ele cortasse a carne -eles entraram no caminhão, rápidamente colocaram tudo em sacos plásticos, permitindo que eu levasse tudo para casa e guardasse no frezzer. Voltei ao bar paguei e eles foram embora.
No outro dia comecei a vender carne para os caseiros, foi um sucesso pois ali não tinha açougue. Passei então a comprar todo excedente, inclusive, carne de primeira que passei a vender para os donos de chácara para seus churrascos de domingo. Carne que eu dizia comprar na cidade e que já vinha toda cortada e separada. Eu sabia que era cambalacho dos motoristas, mas o preço era tentador e assim eu ia faturando.
Numa tarde de sábado, o bar estava cheio quando notei alguém que vindo. Veja quem vem lá: era o Barnabé. Um negão de quase dois metros, o diabo em forma de gente, a pedra no meu sapato que sempre arrumava confusão. Então disse ao meu irmão "Vá atá lá fora e diga ao major - um amigo que estava me visitando - que se houver algum problema, para ele não se envolver, pois nós controlamos este tição ambulante".
O negão chegou pediu uma pinga, tomou num gole e pediu outra. Servi e ele ficou olhando para o copo pensativo. "E ai como está o molho?", perguntei. "Azedou", respondeu. "O molho azedou, o italiano só me pagou a metade, o resto deu cheque pra segunda feira".
O negão trabalhava numa construção tocada por um italiano que usava essa estratégia de pagamento pra que ele não gastasse tudo de uma vez. "Justo hoje que eu precisava receber tudo", resmungou. Olhou para o copo e pediu "Enche o copo seu Zé". Fiquei preocupado, mas não tinha opção. Servi. Ao lado, lingüiça frita, porção de carne e cerveja corria solto, o pessoal estava batendo papo e tudo corria bem. A carne era de segunda, que cozinhávamos com umas cascas de mamão para ficar macia.
Lá pelas cinco horas chegou uma turma da obra e rapidamente consumiram toda a carne e a lingüiça, um dos rapazes reparou que na prateleira havia latas de sardinha e pediu duas que abri e coloquei em um prato com cebolas, pão fatiado e mais cerveja. O Barnabé como por milagre permanecia quieto tomando sua cachaça, foi quando um do fregueses pediu mais cerveja, mais sardinha e que aquele rodada ia valer no palitinho. Olhou pro lado e perguntou se o negão queria entrar no jogo.
Quase não acreditei quando apenas ouvi quero sim. Nesse momento pensei que jogo sempre dá confusão e anda mais com o Barnabé. Mas por incrível que pareça correu tudo bem. Lá pelas tantas da noite um deles observou: "Pena que não tenha bilhar". Foi quando o negão disse que perto da curva tinha outro bar com mesa de bilhar, eles então pagaram a conta e foram todos para o bilhar, inclusive o negão.
Assim que saíram fechei o bar peguei umas cervejas e fomos para a cozinha eu e meu amigo, tomamos umas cervejas com vodca para relaxar, pois o negão me deixava tenso e sua presença era sempre confusão. Aquele dia foi uma exceção inesplicável . Depois de um banho, jantamos, batemos um papo e fomos dormir, pois no outro dia tinha que sair cedo para levar meu amigo pra cidade e fazer compras pro bar.
Na manha seguinte saímos bem cedo, entrei numa estradinha que saia no asfalto e quando fiz a curva notei alguém deitado na beira da estrada. Parei o carro desci e deparei com o Barnabé dormindo como pedra. Olhei para ele e veio uma raiva na minha mente, pensei "Há três anos esse negão inferniza minha vida, espanta os fregueses e nada posso fazer pois além de violento ele é forte e não tem nada a perder. Agora está ai à minha mercê". Estava pensando quando vi o cavalo do Rui - um caloteiro safado - pastando amarrado por uma corda no tronco de uma árvore. Então, tive uma idéia. Voltei para casa, peguei uma caixa de bombinhas que havia comprado para afugentar um cãoo Doberman, que o dono soltava aos domingos para passear e assustava os fregueses.
Juntei as bombas com fita crepe amarrei um pedaço de barbante e antes de sair falei a meu irmão "Quando abrir o bar diga aos fregueses que ontem fui levar meu amigo na cidade e dormi na casa dele pois já era tarde e hoje tinha que fazer compras pro bar", pedi que ficasse sossegado, pois ninguém me viu sair. Fui até o Barnabé, toquei-lhe o pé, o corpo e nada. Dormia pesado. Notei que não havia ninguém `a vista e amarrei as bombas na corda do cavalo. Soltei a ponta que o amarrava à árvore e passei por baixo do pé do negão. Dei um laço, encostei o carro perto das bombas acendi as mesmas fechei a porta e acelerei indo embora.
Deixei meu amigo em casa, fiz as compras e lá pelas onze horas estava de volta. No bar estava um burburinho. Meu irmão chegou na janela e disse para que todos escutassem "Vieram te chamar para levar o Barnabé no hospital, mas você tinha ido ontem pra cidade, então, chamaram uma viatura da polícia e eles estão lá no alojamento da fábrica". Fiquei preparado para qualquer pergunta que fizessem. Desci do carro e guardei as compras. Perguntei o que tinha acontecido, mas ninguém sabia ao certo, só que o Barnabé tinha sido encontrado desmaiado amarrado a um cavalo todo machucado. O cavalo estava enroscado em uma cerca de arame farpado.
Depois de dias no hospital ele apareceu no bar. Seu aspecto era sinistro, no braço faltava carne que foi arrancada, ele puxava uma perna e uma parte do couro da cabeça também foi arrancado, dando lugar a uma mancha avermelhada. A orelha esquerda havia sido dilacerada, a cartilagem do nariz estava exposta parecendo vitiligo e o olho direito não fechava pois uma parte da pálpebra foi arrancada pela farpa do arame farpado.
Apesar do ódio que sentia por ele pela sua maldade e sua arrogância confesso que fiquei com dó. Mas foi por pouco tempo, pois se perdeu na aparência ganhou nas atitudes mais ruins e cruéis. Polícia só na cidade, mas ninguém tinha coragem de chamar. Ele só não se metia com os donos de chácaras, mas infernizava a vida dos moradores do pequeno bairro.
Seu dia fatídico chegou quando abusou de uma menina. Foi morto pelo irmão dela com um tiro na cabeça.
Epitáfio: Aqui jaz Barnabé. Espírito do Capeta que viveu fazendo treta e morreu com um tiro de escopeta.